SINOPSE
Matrix foi lançado em 1999 e se tornou um dos maiores campeões de bilheteria da indústria cinematográfica. O filme é uma mistura de ficção científica, ação, com referências ao budismo, hinduísmo, cristianismo e filosofia, principalmente a platônica. O filme inovou em efeitos especiais e influenciou diversas produções cinematográficas. Seu valor filosófico é incontestável, mas ignorado pela maioria de seus espectadores, que o veem apenas como um filme de ação e artes marciais.
O filme tem como tema principal, a luta de alguns homens para se libertarem do domínio das máquinas e trazer novamente a realidade humana. Neo (Keanu Reeves) é o salvador da humanidade, o mensageiro da verdade que liberta.
Matrix é um filme que nos leva á raciocinar sobre duas áreas da filosofia; a ontologia e a epistemologia, além de fazer referências ao sistema político, econômico e á várias crenças religiosas, como o Hinduísmo, o Cristianismo e principalmente, ao Budismo.
Se eu fosse fazer uma análise mais detalhada do filme, correria o risco do texto ficar muito extenso e até prolixo. Sendo assim, procurei destacar mais as questões epistemológicas, ontológicas, além da antropologia socrática.
Assistir Matrix apenas como um filme de ação e ficção científica, é difícil para quem estuda ou se interessa por Filosofia.
COMENTÁRIO
No livro VII de “A República”, Platão relata um diálogo entre Sócrates e Glauco. Sócrates sugere que seu interlocutor imagine alguns homens que sempre viveram dentro de uma caverna, com as pernas e pescoços acorrentados. A única coisa que esses homens veem são as sombras projetadas na parede da caverna, causadas por uma pequena fogueira atrás deles. Essas sombras são de objetos e de pessoas que transitam próximo á caverna. Os sons que os prisioneiros da caverna ouvem são ecos das vozes daqueles que estão do lado de fora. Para eles, essas sombras e esses ecos são o que há de real.
No entanto, um desses acorrentados é liberto e percebe que há uma realidade além daquela que lhe foi apresentada por toda a vida. A princípio, ele considera que a nova verdade não passa de uma ilusão, e ao ter contato com a luz do sol, sente os olhos arderem e aos poucos vai se habituando á verdade fora da caverna.
Ao retornar á sua antiga moradia, a caverna, ele não suportaria mais as trevas e ao relatar o que viu para seus antigos companheiros de prisão e trevas, seria considerado louco e provavelmente eles o matariam, caso tentasse libertar alguém.
No filme dos irmãos Wachowski, a Matrix é um mundo virtual, e assim como na caverna, todos os que vivem nela são prisioneiros da ignorância, desconhecendo a realidade suprema. Tudo que se vê na Matrix, não passa de ilusões de seres humanos adormecidos e prisioneiros das máquinas que passaram a dominar o mundo real. O protagonista Thomas A. Anderson, também conhecido como Neo (interpretado por Keanu Reeves) sempre desconfiou que há algo de errado com o mundo. Assim, como o prisioneiro da caverna, Neo (um anagrama para “One”, O Único, O Escolhido) é liberto do mundo das sombras e tem contato com a realidade.
Mas, afinal, o que é real ? É esta, a pergunta feita por Morpheus (Laurence Fishburne) a Neo. Em seguida, ele diz ao “escolhido”: “se você está falando sobre o que você pode sentir, o que você pode cheirar, o que você pode saborear e ver, o real são simplesmente os sinais elétricos interpretados pelo seu cérebro”.
Esse diálogo de Morpheus com Neo sobre o que é real, nos leva á clássica questão epistemológico: a fonte (e fundamento) do conhecimento humano é a razão ou a experiência? Quem determina o conhecimento: o sujeito ou o objeto?
Se o real for apenas o que nosso cérebro interpreta como tal, chegaremos á conclusão de que a realidade é subjetiva, tanto na Matrix como fora dela. Tanto nas trevas da caverna quanto na luminosidade do lado de fora. Ou seja, a realidade não passa de uma interpretação individual, como defendia o sofista Protágoras, que rejeitava a ideia de uma verdade absoluta.
Caso a realidade seja objetiva, partindo da experiência, paradoxalmente ela seria relativa, pois iríamos considerar como real aquilo que nos foi apresentado como verdade durante nossa vida, até conhecermos e aceitarmos outra experiência como real.
Repetindo a pergunta de Morpheus: “o que é real; que eu vejo ou como eu vejo. o que eu conheço ou como eu conheço?
Para os que vivem na Matrix, ela é a realidade, porém para os que vivem em Zion (o único lugar que não foi dominado pelas máquinas e ainda é povoado por humanos cientes), são eles os detentores da verdade absoluta.
Na Matrix, poucos estão preocupados em conhecer a verdade absoluta. Na verdade, a maioria ignora e, nem sequer, se preocupa se há outra realidade,além daquela que experimentaram desde que nasceram e que lhes foi ensinada pela família, pela igreja, pela escola e pela sociedade em geral. E, por que motivo, se preocupariam com isso?Estão preocupados em “vencer” na vida; estudam, trabalham, transam, criam seus filhos, e a maioria ainda acredita que após a morte, viverá em paz, eternamente num lugar lindo e iluminado. Por que, então, questionariam essa “realidade”?
A verdade, realmente, liberta, como está escrito nos evangelhos? Para Cypher (Joe Pantoliano), um dos parceiros de Morpheus, viver no mundo virtual de Matrix é muito mais gratificante e libertador que viver na realidade sombria e sem graça de Zion.
Cypher, é uma espécie de Judas, que trai seus companheiros para, em troca, se beneficiar dos prazeres da Matrix. Afinal, por que viver num mundo onde nem sequer pode se experimentar os prazeres do paladar, se o mundo virtual lhe oferece muito mais que isso?
Muitas vezes, o filme nos causa a impressão de quem vive aprisionado numa caverna são os habitantes de Zion e não as mentes iludidas na Matrix.
A Filosofia Ocidental (para muitos a única que existe, pois não consideram o pensamento Oriental como Filosofia) surgiu como uma alternativa á mitologia. Enquanto o pensamento mitológico dava respostas ás questões da humanidade de forma épica e sobrenatural, através das poesias de Homero e de Hesíodo, os primeiros filósofos ocidentais usavam o raciocínio lógico e procuravam as respostas aqui mesmo. Questões como “o que é real” e “de onde surgiu tudo” foram aos poucos abandonando as fontes mitológicas como respostas.
Enquanto os jônicos, diziam que o real e a origem de tudo está physis (natureza), os eleatas acreditavam que a única verdade é o ontos (ser) e ele é a origem e a única verdade absoluta. Porém, Sócrates disse que a realidade está dentro de cada um. O Daimon é a ligação entre a verdade subjetiva e a objetiva. Ou seja, Sócrates acreditava no Ser, porém defendia que cada pessoa possuía uma verdade subjetiva, e que apenas através de uma auto investigação, o Daimon (espírito, consciência) levaria alguém a encontrar a verdade absoluta.
E é esta autoanálise, através de seus questionamentos, que leva Neo á descobrir a verdade. A Matrix era o devir, o vir a ser de Heráclito, enquanto Zion era o Ser de Parmênides, comparando com a fisiologia e a ontologia dos pré-socráticos.
Neo precisava aceitar sua ignorância, conhecer a si mesmo e refletir sobre a vida que vivia para se libertar das amarras do mundo ilusório. Agora, comparo o filme á filosofia humanista de Sócrates, que induz o ser humano a buscar a verdade através de um questionamento sobre si e sobre o que o cerca.
Como o próprio Sócrates dizia: “uma vida sem ser questionada, não vale á pena ser vivida”. Afinal, sem questionar, viveremos como fantoches da mídia, da religião, da política, da economia, da sociedade e dos próprios questionadores.
Neo representa o antissistema, a revolução, a mudança, aquele que liberta o homem da ignorância e da ilusão. Se equipara a Buda e Sócrates, na busca da libertação do homem em si mesmo. Assemelha-se a Krishna dos indianos e a Jesus dos cristãos, como o salvador da humanidade
Comentário e sinopse por Marcelo Maia Gomes, licenciado em Filosofia pelo CEUCLAR BH.